A Sociedade da Bolha
- Luiz Carlos Famadas Jr
- 21 de mai. de 2018
- 3 min de leitura
Precisamos entender de uma vez por todas que as pessoas são diferentes. Não é o ódio que vai extinguir o contraditório, mas o amor certamente diminuirá as resistências.

Imagine-se vivendo num mundo perfeito, dentro de uma bolha. Uma sociedade em que todos têm a mesma opinião, todos concordam com sua religião, todos torcem pelo mesmo time que você e todos votam no seu candidato. E se alguém pensa diferente é automaticamente bloqueado.

A princípio, essa hipótese parece uma utopia pinçada de algum conto de Philip K. Dick, de algum roteiro de Rod Serling, ou de algum episódio de Black Mirror. Mas e se dissermos que você já vive nessa bolha?
Claro que essa bolha está em fase embrionária. Ela ainda não permite uma imersão em tempo integral. Muitas vezes você precisa sair dela para seu mundo real.
Seu escritório, Faculdade ou reuniões de família funcionam fora dessa bolha. E é nessas horas que você se estressa ao encontrar aquele amigo que frequenta uma igreja diferente, ou aquele colega de trabalho que vota em outro candidato. Destilar seus ódios contra essas pessoas fora de sua bolha pode ser perigoso. Pode custar seu emprego ou uma ruptura na família. Por isso você corre para sua bolha na primeira oportunidade que encontra. Esse mundinho perfeito substitui uma boa terapia.
Não importa o nome oficial de sua bolha. No passado ela já se chamou Orkut. Hoje ela recebe diversos nomes. Num momento é Facebook. Alguns minutos depois pode ser Twitter ou Instagram. O fato é que esses mundinhos tornam-se mais simpáticos a cada dia. Eles nos devolvem aquilo que pensamos. Muitas vezes temos a sensação de que a bolha vasculha nossas mentes e sabe exatamente o que desejamos.
Se você gosta de um determinado político, a bolha lhe dará razão e também novos motivos para admirá-lo ainda mais.
A bolha entende a sua religião, ou a inexistência dela.
Ela compreende seu fascismo.
Ela divulga sua solidariedade.
Ela se comove com a realidade das crianças sírias. Mas, só se você também se comover.
Aquela geladeira que você confessou a alguém o desejo de comprar aparecerá na bolha por uma oferta imperdível.
Se lhe falta dinheiro para isso, a bolha lhe indicará a empresa que lhe concederá um empréstimo com juros exorbitantes.
As bolhas são programadas para isso. Nesse exato momento existe alguém no Vale do Silício trabalhando para que as bolhas sejam suas melhores amigas. Suas confidentes.
Mas nem tudo são flores.
Todos esses supostos benefícios são, na verdade, responsáveis pela maior onda de ódio que nosso mundo já conheceu. Não importa se você é terraplanista ou neonazista, sua bolha sempre te provará estar certo. E assim aumenta a intolerância a quem pensa diferente.
Pessoas que antes não discutiam política por puro desconhecimento do assunto, hoje levantam suas bandeiras e batem suas panelas. Podem não saber bem porque o fazem, mas tem o aval de suas bolhas e de quem as freqüentam.
Se você contesta o ídolo alimentado por freqüentadores de uma bolha, corre o risco de ser agredido no mundo virtual graças ao passeio de um hater por entre bolhas inimigas, ou até mesmo no mundo real.
Guerras entre bolhas são freqüentes. É a bolha vermelha sendo atacada pela bolha verde-oliva. É a bolha ateia sendo massacrada pela bolha defensora dos valores da família.
Precisamos entender de uma vez por todas que as pessoas são diferentes. Não é o ódio que vai extinguir o contraditório, mas o amor certamente diminuirá as resistências.
Ou acordamos desse pesadelo digno de um filme de ficção científica, ou o convívio entre seres humanos se tornará algo impossível em um curto espaço de tempo.
Será a guerra “dos que têm razão” contra “os que têm razão”.
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